CAPÍTULO 1 - A VIAGEM
Para começo de conversa, eu não quero viajar. Eu preferia
nem ter acordado hoje. Meus pais estão completando 30 anos de casados e como
eles não são pessoas normais, decidiram fazer uma viagem maluca para o meio do
mato. E para a viagem ficar ainda melhor, os dois me obrigaram a ir com ele.
Não quiseram me deixar sozinha, só por causa da minha -quase- depressão.
Acho que são duas horas da tarde, estamos no aeroporto de
São Paulo rumo a Manaus, onde passaremos um mês visitando algumas tribos e
pesquisando animais que eu nem sei o nome. Tudo que eu mais queria era voltar
para casa e ir ao show da minha banda favorita, Sonohra, que vai acontecer em
uma semana. Mas eu não estarei aqui para ver isso acontecer.
O nosso voo está atrasado em três horas, por causa de uma
forte chuva. Acho que o destino está me dando uma ajuda. Estou sentada ao lado
da minha mãe, que está conversando com meu pai sobre suas expectativas sobre a
viagem, os estudos que serão relevantes a sua pesquisa e bla bla bla. Enquanto
isso, estou ouvindo as músicas do Sonohra, com certa angústia, e fazendo diversas
anotações sobre o que estou observando
no saguão.
Eu tenho uma mania desde criança: adoro observar as pessoas,
seus costumes, manias. Fico rabiscando esse tipo de coisas em meus cadernos,
diários ou qualquer pedaço de papel. É assim que nascem as minhas músicas,
poemas. Para todo lado que olho, vejo as pessoas tentando arrumar alguma
distração: algumas conversam, muitas estão comendo e outras mexem em seus
celulares. Eu nem posso e nem quero usar o meu. Ver os comentários sobre mim
nas redes sociais, me deixa muito irritada. Não sei por quanto tempo fiquei perdida
em meus pensamentos, mas levei um susto quando ouvi alguém me chamando:
- Letícia, você quer comer alguma coisa? – pergunta a minha
a mãe.
- Não estou com fome. – respondo friamente.
- Você que sabe. – Minha mãe volta-se rapidamente ao meu pai
- Vamos Marcos, preciso comer alguma coisa antes que eu desmaie.
- Ok, Adriana. – Meu pai responde já se preparando para
gastar mais do que deve.
Eu sou tão parecida com a mãe, fisicamente é claro. Temos os
cabelos ondulados, castanho escuro, pele levemente bronzeada, olhos
castanho, estatura mediana. E isso é só! Do meu pai, acho que herdei o formato
dos pés. E eles sempre dizem que não sabem de quem puxei o temperamento, me
classificam como perdidamente perdida por tempo indeterminado.
Acho que esta denominação deve-se por eu ter terminado a
faculdade há um ano e até hoje não arrumei um emprego. Meu desejo sempre foi
ser cantora, compor e viver da minha arte. Mas meus pais insistiram que eu
devia me formar em alguma coisa e escolhi algo que me desse prazer de estudar:
Literatura. Formei-me em Letras – Português/Italiano, porque meus avós maternos
são italianos e eles me forçaram a aprender o idioma deles desde pequenininha.
Meus pais não entendem que eu quero ter um estilo de vida
diferente da deles. Eu quero ser uma cantora famosa, reconhecida pelas minhas
músicas, pelo som da minha guitarra, como meus ídolos Luca e Diego Fainello; e
não ser conhecida porque sou pesquisadora de alguma coisa que pouquíssimas
pessoas se interessam. E hoje aos 25
anos, eu não me vejo como professora... Desde os meus 18 anos, sempre me virei fazendo
shows com a minha banda e até ganhava uma graninha legal. Eu me vejo e sempre
me vi como artista.
Mas as coisas mudaram desde que terminei com meu último
namorado. Roberto. Por que ele tinha que me trair justamente com a minha pior e
mais antiga inimiga? Eu falei para ele não chegar nem perto da Maria Clara. Porém,
o nojento chegou tão perto que até a engravidou. Além de meu ex-namorado, ele
também era o empresário da minha banda. Eu não conseguia cantar quando o via e
como eu só compunha músicas de ódio e raiva, ele me dispensou.
Graças ao Roberto, que me encontro aqui sentada nesse banco
de aeroporto, sem emprego, sem banda e sem inspiração para compor. Esperando a
viagem mais maravilhosa de todos os tempos, a viagem dos sonhos dos meus pais. Enquanto
eu serei a mala da viagem. A filha que não sabe que rumo tomar na sua vida e
precisa descobrir isso durante a viagem.